POR QUE NÃO VOTEI EM JAIR BOLSONARO?
(Texto publicado em virtude das eleições 2018)
Sei que existem vários artigos, listas e outros tipos de materiais jornalísticos sobre as razões para não se votar no deputado federal Jair Messias Bolsonaro em sua alçada à presidência da República. Geralmente, todos eles focam nas suas posições ideológicas mais controversas e e em seus discursos de ódio ou que fazem apologia ao crime. É o caso da homenagem que ele prestou ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador que chefiava o aparelho de repressão da ditadura, o DOI-Codi, nos anos de chumbo (entre 1970 e 1974). Também são bons exemplos as suas declarações, em uma só entrevista, em defesa do fuzilamento de Fernando Henrique Cardoso, do fechamento do Congresso e de uma guerra civil que matasse trinta mil; da apologia ao estupro – pois se alguém não merece ser estuprada, fica implícito que outras o merecem, em sua visão; de que não teria filho gay, pois eles tiveram “boa educação” e que “ter filho gay é falta de porrada”; e até de suas falas de cunho racista.
Mas a grande verdade é que para você, que gosta do Bolsonaro e deseja ele na presidência, todos esses exemplos são ruins para te convencer do contrário, não é? Provavelmente, você tem uma resposta pronta para cada uma dessas declarações. Falar sobre fuzilar FHC foi força de expressão, talvez você argumente. Você provavelmente negaria que houve apologia ao estupro na fala do deputado à Maria do Rosário, e lembraria da defesa de Bolsonaro em prol da castração química de estupradores. E talvez o fato de Bolsonaro enaltecer o uso da tortura na época da ditadura – que quem sabe você prefira chamar de “regime militar” apenas – seja até uma das razões para você gostar dele. Gastar mais do que um parágrafo com todas aquelas falas de Bolsonaro não serviria em nada para te convencer a não apoiar o deputado para presidente da República. Dito isso, vamos as razões:
1) Posicionamento contraditório.
Antes de sair comentando “Melhor Jair se acostumando” – que, aliás, deveria ser eleito o pior trocadilho do mundo com toda a sinceridade – presta atenção nisso: Bolsonaro muda de opinião o tempo inteiro. Então como votar nele para presidente, se ele pode deixar de apoiar as suas próprias promessas?
Vou citar vários exemplos para você aqui, antes que me acusem de ser mentiroso. Peço a sua atenção até o final. Para começar, no plano econômico é impossível entender o que Bolsonaro defende, e se as suas opiniões se aproximam mais do liberalismo econômico ou daquelas empregadas pelos governos petistas. Por exemplo, esse ano ainda ele sustentava, assim como parte da esquerda, que o Banco Central agia em favor do sistema financeiro, mantendo os juros altos para favorecer os bancos. A declaração exata e mais explícita que deu nesse sentido foi:
“Daí eles decidem a taxa de juros de acordo com os interesses dos colegas do mercado financeiro? Então é melhor o Banco Central governar o País como se uma junta fosse.”
A fala é de fevereiro de 2016, tendo sido proferida em entrevista à revista Valor Econômico. E poderia muito bem ter sido dita por um militante do Partido dos Trabalhadores. Durante a campanha à reeleição de Dilma Rousseff, o PT atacou a proposta, que era defendida por Marina Silva, ferozmente. Foi feito até um vídeo, que talvez seja um dos mais sujos já feitos em período eleitoral no Brasil. Mas agora, em novembro de 2017, o deputado parece ter mudado radicalmente de opinião:
“Precisamos de Banco Central independente para definir metas, diminuir juros, reduzir inflação e obter previsibilidade econômica.”
Essa mudança brusca de direção de pensamento já está se tornando marca registrada do postulante a presidente que você, eleitor do Bolsonaro, diz querer para o Brasil. Ele se diz liberal, por exemplo. Mas durante seus vários anos de exercício de mandato parlamentar na Câmara dos Deputados, Jair Bolsonaro sempre atuou na linha contrária.
Essa história começa lá nos anos 90, época na qual o deputado votou e militou contra o Plano Real, bem como o fez em relação a outras medidas que visavam o equilíbrio das contas públicas promovidas por Fernando Henrique Cardoso e alvo de admiração dos liberais. É o caso do voto contrário à quebra dos monopólios de petróleo e das telecomunicações, assim como o fez contra a reforma da Previdência, cujo principal ponto – o estabelecimento de uma idade mínima – não possou por apenas um único voto. Poderia ser o dele… Caso realmente fosse liberal. Como exposto com excelência pela Revista Época – que fez um compilado de posicionamento anti-liberais de Bolsonaro na década de 90 –, quando a criação da URV – embrião do Real – foi votada em comissão, o hoje “mito” elogiado pelo Movimento Brasil Livre foi o único a votar contra. Assim, ficou junto apenas ao PDT de Brizola e ao PT, que tentaram obstruir a sessão.
E sinto lhe informar, apoiador do Bolsonaro, mas a contradição no plano econômico está longe de se limitar há um período de 20 anos atrás. Já em tempos de governo Michel Temer, ele se absteve na votação da Reforma Trabalhista e mostrou posicionamento ambíguo em relação à Reforma da Previdência, fazendo ressalvas como alterar qualquer ponto no que tange às pensões militares. Isso porque, em março deste ano, disse ele ser “totalmente contra” à proposta. Depois, tentou apaziguar a situação, mas no geral evita chegar ao tópico.
Fica a questão: seria ele liberal então ou não? Estaria Bolsonaro acenando ao mercado apenas, e na verdade mantendo suas posições mais próximas da “esquerda” econômica, ou seja, não liberal? Ou então ele genuinamente está mudando de opinião?
Eu não sei você que com ele simpatiza, mas para mim, todas as alternativas são ruins. Se ele finge ser algo que não o é, então é apenas um político como aqueles que critica e, caso chegue ao poder, poderia fazer o contrário de tudo aquilo que prometeu. Caso esteja mudando de opinião, não é seguro ter alguém sem posicionamento ideológico definido se candidatando a presidente. Afinal, quem garante que ele não vai adotar outro discurso assim que empossado, deixando de lado o que prometeu aos seus eleitores, por ter ouvido outras pessoas? Ou que não se tornaria uma mera marionete de seus conselheiros, que poderiam o convencer a adotar qualquer tipo de posicionamento que eles desejassem?
E essa história de “Bolsonaro Camaleão”, que muda de “cor” com o ambiente, não se limita à esfera econômica. Por exemplo, é possível falar sobre o que ele acha do comunismo. Se geralmente o deputado se apresenta como oposição total e completa aos ideais de Karl Marx, tendo o seu filho – com a sua bênção – elaborado projeto de lei criminalizando o apoio a esse sistema econômico, em 1999 parecia que Bolsonaro tinha opiniões diferentes.
Em entrevista ao Estadão, ele disse não ser anticomunista: “Ele [Hugo Chávez] não é anticomunista e eu também não. Na verdade, não tem nada mais próximo do comunismo do que o meio militar. Nem sei quem é comunismo hoje em dia”. Na mesma matéria, é possível ver Bolsonaro elogiando bastante aquele que viria a ser o ditador da Venezuela, Hugo Chávez, chegando a dizer até que queria “passar uma semana lá” para ver se conseguia “uma audiência [com Chávez]”.
Já que Bolsonaro e você, como militante, já tem uma resposta pronta para essas declarações, citarei outros exemplos. Ele adora se dizer patriota, e nomeou dessa forma o partido que assumirá para disputar a presidência, inclusive. O slogan “Brasil acima de todos” vem sendo repetido à exaustão por Bolsonaro. Mas em entrevista à Revista Veja este ano, ele disse que caso o PT, o PSDB ou o PMDB vençam a eleição presidencial, ele cogita sair do Brasil.
“No meu entender, se tivermos em 2019 um governo que seja do PT, do PSDB ou do PMDB, acho que vai ser difícil eu permanecer no Brasil (…) Não tenho cidadania ainda, mas a minha origem é italiana.”
Não seria “abandonar o barco”? E toda aquela história de defender a ditadura militar, inclusive o “Brasil: Ame-o ou Deixe-o”. Cadê o discurso patriota? Eu tenho uma hipótese para você: talvez tenha ficado nos Estados Unidos, onde Bolsonaro decidiu saudar a bandeira estadunidense com uma continência, em um gesto também pouco nacionalista.
Isso tudo sem contar a sua atuação como deputado recentemente: ele vem evitando se pronunciar até mesmo em assuntos que defende desde os seus primórdios na vida pública, como o armamento da população civil.
“Em três dias, entre 7 e 9 de novembro, cinco projetos de lei da chamada ‘bancada da bala’ foram aprovados na Câmara dos Deputados. Bolsonaro marcou presença em todas as sessões. No entanto, não pediu a palavra em nenhum momento”, relata o UOL. O que nos leva ao ponto 2:
2) A relação medíocre com o legislativo.
Para um presidente governar, é imprescindível contar com o apoio do Poder Legislativo, ou seja, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Não ter conseguido fazer isso bem foi um dos grandes erros de Dilma em seu segundo mandato. Depois de várias decisões erradas politicamente, como não apoiar Eduardo Cunha para presidente da Câmara e ter o desarticulado Aloizio Mercadante como articulador político por muito tempo, ela perdeu o apoio do Congresso e acabou destituída.
Bolsonaro já começaria com dificuldades, porque disputará a eleição por um partido-nanico e que, portanto, dificilmente obterá um número de assentos próximo à maioria parlamentar – mesmo caso o atual deputado federal pelo Rio de Janeiro conseguisse se tornar Presidente. Mas pelo menos ele trabalha na Câmara há 26 anos, e por isso é de esperar experiência de sobra no trato com o Legislativo, certo? Errado.
Mesmo estando há duas décadas no cargo de legislador, apenas dois de seus projetos foram aprovados no Congresso Nacional, de um total de 171 propostas diferentes apresentadas. A primeira emenda de autoria do deputado a ser aprovada, por exemplo – um feito que só conseguiu em 2015 – determina a impressão de votos das urnas eletrônicas, proposta esta que fica até sob o risco de cair em inconstitucionalidade, por ir contra a cláusula pétrea que abrange o tema do voto secreto. Além disso, nas comissões que faz parte no congresso, não tem sido relator de Projetos de Lei. Ou seja, fica longe dos holofotes, do protagonismo. Do papel de liderança que se espera de um Chefe de Executivo no futuro.
E mesmo enquanto deputado, este ano Bolsonaro decidiu percorrer o Brasil para fazer campanha – antes da hora, ilegalmente – para a presidência da República. Tudo isso custeado com os cofres públicos. Em outubro, foram 5 mil gastos em despesas aéreas; em setembro, foram quase 14 mil reais; em agosto, cerca de 11 mil. Já deu para entender o procedimento de Bolsonaro em relação a usar o dinheiro dos contribuintes para a sua própria promoção. Imagina só na presidência? E isso nos leva ao terceiro ponto.
3) É tão duvidoso quanto alguns que acusa serem corruptos.
Conforme Bolsonaro cresce em termos de popularidade, mais o seu nome fica em destaque. E, assim, acabam chegando as acusações de desvio ético contra ele, que atua há 26 anos como deputado federal. Não se assuste tanto, eleitor do Bolsonaro. Nem digo que ele seja necessariamente corrupto; apenas que ele faz exatamente o que os outros, que ele acusa de serem corruptos, fazem.
Por exemplo, receber dinheiro da JBS, a gigante do ramo das carnes liderada por Joesley Batista, em 2014. Ele recebeu 200 mil reais. No entanto na tentativa de esconder que teria recebido recursos da empresa, apoiada pelo BNDES em programas que sempre criticou, Bolsonaro repassou o valor ao seu partido na época, o Partido Progressista (PP). Só para que, de imediato, o PP lhe passasse a mesma quantia de 200 mil reais. Ou seja: a sua campanha foi sim financiada pela corporação de Joesley.
Além disso, Bolsonaro atua no limite da ética e de forma pouco meritocrática: ele e seus filhos empregaram, nos últimos 20 anos, uma ex-mulher do parlamentar e parentes dela também. Não só isso: a sua atual esposa também recebeu emprego sustentado por dinheiro público, antes da prática se tornar ilegal através de uma súmula do Supremo em 2008.
O próprio tema das viagens que Bolsonaro fez como deputado pedindo reembolso dos cofres públicos pode entrar neste ponto 3. Mesmo com as regras de uso da Câmara dizendo, acerca das despesas parlamentares, que “não serão permitidos gastos de caráter eleitoral”, são muitas as viagens de Bolsonaro pelo Brasil com este fim que o contribuinte teve de pagar. Para não mencionar os mesmos períodos mensais de antes, falemos do início do ano: foram 22 mil reais em viagens aéreas nos primeiros cinco meses do ano.
A Folha de São Paulo deu indícios de outros possíveis desvios éticos do agora filiado ao PSL para concorrer à presidência, publicados no dia 7 e 8 de janeiro. O deputado e seus três filhos que exercem mandato, como mostra a reportagem possuem 13 imóveis diferentes com preço de mercado de pelo menos R$ 15 milhões — a grande maioria em pontos altamente valorizados do Rio de Janeiro, como Copacabana, Barra da Tijuca e Urca.
Além disso, dentre os bens de Bolsonaro - como consta na Justiça Eleitoral -incluem ainda carros que vão de R$ 45 mil a R$ 105 mil, um jet-ski e aplicações financeiras, em um total de R$ 1,7 milhão. Isso não seria um problema normalmente. Contudo, quando ingressou na política, em 1988, o hoje presidenciável declarava ter apenas um Fiat Panorama, uma moto e dois lotes de pequeno valor em Resende - valendo pouco mais de 10 mil em dinheiro atual. Desde então, a única profissão do capitão reformado é de político - já são sete mandatos como deputado federal.
Os três filhos de Jair: Carlos, Eduardo e Flávio , também apresentaram um crescimento de patrimônio acelerado. Sendo que todos eles se dedicam exclusivamente à atividade política. A única exceção é Flávio, que recentemente tem uma sociedade em uma loja de chocolates. A evolução patrimonial se deu principalmente nos últimos dez anos: até 2008, a família declarava à Justiça Eleitoral bens em torno de R$ 1 milhão, o que incluía apenas 3 dos atuais 13 imóveis.
Dois desses imóveis, que pertencem a Jair, ficam na avenida Lúcio Costa, em frente à praia da Barra da Tijuca. Segundo documentos oficiais, ele adquiriu uma por R$ 400 mil em 2009 e outra por R$ 500 mil em 2012. Hoje, o preço de ambos os imóveis juntos, de acordo com a Folha, é de 5 milhões de reais. Ou seja, é como se os apartamentos tivessem valorizado pelo menos 450%.
O jornal de São Paulo consultou a Secovi-RJ (sindicato das empresas do ramo imobiliário) que embora aponte para uma valorização no local, considera uma alta de 63% de 2011 até agora. Muito aquém dos 450%. Isso é um forte indício de que as residências possam ter servido para a lavagem de dinheiro.
Já Flávio “entrou na política com um Gol 1.0, em 2002. Quinze anos depois, tem dois apartamentos e uma sala que, segundo a prefeitura, valem R$ 4 milhões. Ele realizou operações envolvendo 19 imóveis na zona sul do Rio de Janeiro e Barra”, relata a Folha em outra matéria. A maior parte são 12 salas de um prédio comercial chamado Barra Prime. No entanto, de maneira estranha, todas foram vendidas para a MCA Participações, empresa que tem entre os sócios uma firma do Panamá, país conhecido por ter corporações que facilitam a criação de offshores, por exemplo - como a Mossack Fonseca mostrou. A MCA Participações adquiriu as salas de Flávio em novembro de 2010, apenas 45 dias depois de o deputado ter comprado 7 das 12 salas.
Ainda há outras operações esquisitas, como a compra de dois imóveis na mesma data - ambos vendidos com prejuízo para os antigos proprietários - para pouco depois os vender e lucrar mais de 800 mil reais, com valorização muito longe da realidade do mercado de 260% em um ano.
Para completar, uma nova reportagem, também da Folha, mostra que tanto Jair Bolsonaro quanto o seu filho, Eduardo - que também é deputado federal - recebem o valor referente ao auxílio-moradia mesmo sem utilizarem o apartamento funcional que a Câmara cede aos seus parlamentares. Já se foi feito muito escândalo com casos similares: seis meses depois que Marta Suplicy assumiu mandato em Brasília - à época ainda casada com Eduardo Suplicy - foi revelado que ela recebia o dinheiro do auxílio mesmo morando com o marido em seu apartamento funcional. Diante da histeria, ela pediu para parar de receber o dinheiro.
Assim, caro apoiador do Bolsonaro: será mesmo que é ele a melhor opção para ocupar o cargo de Presidente da República? Ele é alguém que não vê problemas em gastar o seu dinheiro com viagens aéreas para fazer campanha eleitoral; que mente sobre ter recebido dinheiro da JBS; que não é um verdadeiro patriota; e que tem uma opinião mais volátil que o preço da Bitcoin.
Eu discordo de todos os posicionamentos ideológicos de Bolsonaro, e vejo como totalmente absurdo ele defender a ditadura, a tortura e o fato de ele enunciar palavras de cunho racista e homofóbico. Apesar disso, me esforçando, consigo compreender que podes concordar com o nosso deputado federal nestas opiniões. A questão é se, mesmo concordando com ele, vale a pena apoiá-lo diante de tudo isso que escrevi. Afinal, será mesmo que Bolsonaro defende aquilo que você gosta de ouvir ele defender? Ao que me parece, tem demonstrado ser sumariamente indeciso em questões centrais. Agora é com você!
Paz e bem,
Diego Nunes de Araujo